Erika Kokay afirma: Os beijos gays devem ganhar as ruas.

domingo, março 22, 2015 Rafael Berredo 4 Comentários

Entrevista feita com a deputada Erika Kokay em meados de 2010, quando ainda cumpria seu mandato como distrital e já vanguardava quanto às lutas em prol das minorias. Vale a leitura.

“Os beijos gays devem ganhar as ruas.”
Erika Kokay


Sempre muito simpática e receptiva Erika Kokay abre as portas de seu gabinete, em uma entrevista emocionante, onde fala de sua vida política, ações pró-LGBTs e combate à homofobia. A deputada se destaca, atualmente, no DF, como uma das maiores lutadoras pelos direitos dos homossexuais, e afirma: "As pessoas devem sair do armário".
 
 Por Rafael Berredo.


Rafael Berredo: Como a Sra. começou a se interessar pelas políticas LGBTs?

Fonte: Internet


Erika Kokay: Comecei minha vida política em 1976, na Universidade de Brasília, na defesa da liberdade democrática, e carrego desde essa luta, que foi muito dura, um compromisso com a liberdade. Por conta disso sempre tive um compromisso muito grande com os direitos humanos, e é muito natural que eu defendesse o direito das pessoas existirem como pessoas. Nós somos seres sexuados e a sexualidade não se resume à relação sexual. Como eu posso considerar que a sexualidade é uma forma como você se coloca no mundo e deve ser calcada na liberdade de ser, a homossexualidade não se resume ao sexo. Lutar pelos direitos da comunidade LGBT é lutar pelos direitos da pessoa humana. A digital da homofobia é a mesma digital do racismo, do machismo, do sexismo. É a intolerância ao outro. Existem várias formas de ser, várias formas de amar, mas a humanidade é uma só. Então quando você nega ao outro, você age como agem os racistas, os machistas. Todos eles carregam uma falta de reconhecimento humano. Quando dizemos que a comunidade LGBT deve ter os mesmos direitos, dizemos ser fundamental que isso seja traduzido no nosso cotidiano como o direito das pessoas existirem como tais. A homossexualidade sempre existiu. Ela já foi patologizada, já foi criminalizada, como já foi totalmente aceita. Os fenômenos humanos, nas suas diferenças, já foram vistos de diferentes formas, de acordo com a estrutura, desenvolvimento social e econômico de uma sociedade. A homossexualidade é encarada de acordo com a cultura de um povo, e não podemos ver a sociedade como um tapete espesso onde jogamos tudo que é diferente debaixo. Existe uma norma que é construída de acordo com a cultura. E a tendência é dizer que a norma é natural. Mas ela não é. Ela é cultural. E as identidades sexuais foram colocadas em risco por não seguirem a norma. Isso foi construído, mas pode ser desconstruído.

RB: Já existem no Brasil leis que defendem minorias reprimidas no passado, e algumas até hoje, como mulheres, negros e índios. A Sra. acha que os LGBTs caminham nesse rumo?

Fonte: Internet
EK: Como as digitais da subalternização do outro são iguais, a gente luta pela universalização das políticas públicas, e o Estado deve abrir espaço para o exercício das diferenças. Ao mesmo tempo em que lutamos por isso, nós devemos lutar para que as políticas em geral e a sociedade abram espaço para o exercício da diferença. O movimento das mulheres foi o grande movimento depois da segunda guerra mundial. Depois dele vieram os outros movimentos. Quando você resgata os direitos de um segmento marginalizado, você resgata a condição de sujeito, a liberdade de ser, a igualdade de direitos, e ali você abre caminho para outros movimentos. Ele foi um movimento de liberdade sexual, e dali avançamos um grande ponto para a evolução da humanidade e dos homossexuais. Resgatamos o significado de humanidade que se perderam pelas frestas da intolerância. A sociedade deve abrir espaço para o exercício da diferença. Defendo o direito às diferenças.

RB: Porque a Sra. acha que o legislativo possui uma certa resistência em aprovar e apoiar políticas LGBTs?
EK: Por uma série de equívocos. Porque a sociedade é, via de regra, homofóbica. E quando grupos menosprezados lutam por seus direitos, elas se transformam em algozes. As vítimas se transformam em algozes. Isso acontece com o homossexual. Quando as pessoas se sentem livres pra expressar seu afeto em público ou se organizam para reivindicar seus direitos, elas são taxadas como pessoas que querem se reafirmar ao contrário. Da mesma forma como a sociedade é racista e machista, ela é homofóbica. Temos capitanias hereditárias pós-modernas, onde alguns querem impor a outros, o que elas julgam adequado. Não é assim. Cada um deve ser livre para amar como julgar melhor.



RB: Existe uma correlação dessa resistência com a bancada evangélica?
EK: Aqui na CLDF nós temos conseguido avançar, mesmo com a resistência deles. Com muita luta e com grande articulação política, conseguimos agilizar o plano de previdência dos funcionários da CLDF, navegando nas brechas regimentais. Não podemos permitir o atraso. O estado é laico. Existem princípios estruturantes. Todos devem ter liberdade de escolher o que querem para si. Deve haver a liberdade religiosa, mas não podemos permitir que as visões religiosas predominem frente ao Estado. O que está em jogo são 36 direitos negados a homossexuais que estão assegurados na Constituição Federal.

RB: Nos últimos 30 dias, ocorreram duas grandes manifestações pró-LGBTs no Brasil. A Marcha Nacional Contra a Homofobia e a Parada Gay de São Paulo. As duas se destacaram por vir com um cunho político muito forte. Os organizadores e ativistas da Parada Gay, inclusive, pediram que o público LGBT não votasse em políticos não comprometidos com a causa. Em sua opinião, esses movimentos geram algum impacto na sociedade?
EK: É fundamental que existam esses movimentos. O segmento LGBT foi marginalizado. Quando você adquire o orgulho e amor de ser como você é, não existem limites para que você conquiste uma sociedade em que se sinta parte dela. Cada movimento desses são espaços de construção de desejos e de direitos. É um contraponto de uma lógica conservadora, de pessoas que ousam falar em nome de Deus contra princípios pregados pelo próprio cristianismo. Não podemos permitir que em nome de Deus se vergue a laicidade do Estado e que em nome dele se desenvolva o ódio. A cada discurso que eles fazem em nome de Deus para excluir e discriminar homossexuais, provocam o ódio e a morte. A sociedade não pode se indiguinar com um beijo homoafetivo e naturalizar a violência. Que sociedade é essa que acha natural a violência, se acostumando com as mortes de gays nos jornais e que se indiguina com o afeto? O afeto tem que ganhar as ruas. O beijo não pode ser preso. Ele não deve se restringir a quatro paredes. Cada vez que um casal homoafetivo se beija e se acaricia em público, nós estamos construindo uma sociedade onde toda forma de amor possa valer a pena.

RB: De acordo com pesquisas, por dia, no Brasil, 20 milhões de LGBTs são discriminados nas mais diferentes esferas. O Governo tem tomado iniciativas concretas para diminuir esses índices?
EK: O Governo Federal fez o projeto Brasil Contra a Homofobia. Tentamos implantar aqui o Brasília Contra a Homofobia e estamos discutindo a criação do Conselho LGBT de Brasília. O Governo diz que não há nenhuma divergência, mas não implementam ações, por agirem a base de cálculos eleitorais. Ponderam quantos votos se ganham ou se perdem. Pra que servem os mandatos? São para construir uma sociedade mais justa e fazer valer a Constituição.



RB: O que falta para que medidas como essas sejam positivadas?
EK: As pessoas devem sair do armário e expressar sua afetividade. Alguns [homossexuais] dizem que o que eles fazem na cama não é problema de ninguém. A homossexualidade não se resume à relação sexual. Falamos de ser o que você é. Não posso restringir minha liberdade de ser o que eu sou à cama. Os homossexuais precisam da liberdade de pegar um telefone no ambiente de trabalho e nominar a pessoa que amam. Mas eles não nominam por medo do preconceito dos colegas de serviço. É uma tremenda violência. De todos os grupos discriminados, os homossexuais são os que sofrem além. Por conta da própria família. Coisa que o negro não sofre. A mulher não sofre. E quando ele percebe amar alguém do mesmo sexo biológico que o seu, se culpa e se pune por medo de chatear os pais. Por isso o Estado deve ter um auxílio psicológico público para que as famílias possam aceitar e acolher seus filhos. Não existe motivo de dor em ser homossexual.

 RB: Já existe jurisprudência no Brasil favorável à união de casais homoafetivos. Em sua opinião, o que falta para que medidas como estas sejam positivadas?
EK: A sociedade avança. Se não pelo legislativo, pelo judiciário. Muitas vezes o legislativo se curva ao judiciário. É inexorável o avanço do reconhecimento humano e dos direitos do LGBT. Precisa que as pessoas possam ir às ruas. Mas já avançamos muito, se considerarmos 30 anos atrás. Ainda temos muito que avançar, é claro. Por que hoje em dia, falar uma piada machista ou racista constrange quem fala. E já estamos construindo uma vergonha em nominar sua homofobia. Ela vai continuar existindo, mas vai despertar a vergonha em quem a nominar. Na minha época, os homens diziam abertamente que suas mulheres estavam sob o seu "tacão". Hoje isso não é mais dito, apesar de ser vivenciado. Então, acho que caminhamos pro avanço. É óbvio que não avançamos linearmente, mas dialeticamente. Nesse avanço haverá reações. Reações de pessoas que falam em nome de Deus, mas negam o amor dele. Acreditam num Deus que hierarquiza as pessoas. O ser humano não cabe dentro de uma garrafa. Ele não pode ser rotulado. Enquanto a comunidade LGBT escondia a sua própria homossexualidade, não se via tantas expressões homofóbicas. Isso significa que quando o movimento mostra a cara e busca seu espaço, haverá reações, em função do crescimento. Queremos direitos iguais. Nem mais, nem menos.

 RB: Em sua opinião, a PLC 122, que torna crime a homofobia, resolveria os problemas causados pela homofobia, ou seria apenas uma medida paliativa?
EK: As leis por si só não resolvem. Elas não asseguram os direitos, mas são instrumentos que buscam o direito. Porque se fosse assim, as mulheres não seriam violentadas, mesmo por que temos a Lei Maria da Penha. A existência de uma legislação contra a homofobia é importante para estipular limites. O ideal seria que não fosse necessário, por que o ideal seria que não existisse a homofobia. A PLC 122 é magnífica por assegurar mecanismos do Estado para coibir cidadãos homofóbicos. Um instrumento para acionar o Estado, a fim de assegurar os direitos dos LGBTs. A Constituição dá direito à homossexualidade existir e assegura inclusive a união civil, quando fala da liberdade de direitos e que todos são iguais perante a lei. Mas antes vamos enfrentar uma resistência conservadora, anacrônica e medieval, que busca se perpetuar no poder legislativo alimentando o ódio das pessoas. É uma vitória da democracia a aprovação da lei, porque modifica os paradigmas da sociedade.

 RB: Nas escolas brasileiras ainda não é combatida a homofobia e nem estudada a cultura LGBT. A Sra. acha que o Governo tem medo de estipular tais ações?
EK: O Brasil Contra a Homofobia envolve a educação.  Mas isso é um processo. Porque você tem que desconstruir esse preconceito.

RB: Então, o índice de desenvolvimento econômico de um país reflete diretamente na aceitação da união de casais homoafetivos?
EK: Acho que as pessoas terem as condições básicas de vida sempre ajuda num processo de conscientização superior e de cidadania, mas não assegura por si só. Devemos fazer a discussão nos aparelhos ideológicos do Estado. Como nas igrejas.  Por que são instrumentos de reprodução de uma lógica dominante, mas precisa se basear numa lógica libertária.

RB: Mas ainda há muita hipocrisia por parte dos governantes.
EK: Tinha um deputado aqui que renunciou ao mandato, famoso por fazer uma oração, que aparece na televisão [referência ao ex-Deputado Distrital Júnior Brunelli, acusado de estar envolvido em escândalos de propina], que dizia que não existem gays, e sim, demônios. O que se poderia fazer era exorcizar os demônios dos homossexuais. Essas pessoas que possuem modelos de perseguição a gays estão envolvidos, aqui na CLDF, em coisas nada puras no que diz respeito à utilização dos recursos públicos. Façamos um contraponto. Esse pensamento fundamentalista vai ter um número de adesão. Mas não é determinante. Vide as paradas gays. As pessoas começam a acolher e entender a causa LGBT. Construímos uma série de direitos e espaços na sociedade, onde temos beijos e afetos livres. Mas é um processo dialético, porque os avanços da comunidade nunca foram lineares. Por isso é importante esse contraponto. As pessoas pensam: "Eu não tenho problemas com homossexuais, desde que não sejam afetados na minha frente". Na verdade querem dizer: "Não tenho problemas com homossexuais, desde que aparentem ser heterossexuais". Por que heterossexuais podem se beijar em público e homossexuais não podem?

RB: Para encerrar. Quem, então, seria o responsável por essa mudança de pensamento das pessoas?
EK: Todos. Do Governo, que não pode se eximir da sua função. Porque a sociedade é desigual e precisa de um Governo que proporcione políticas públicas de qualidade e instrumentos que tirem a relação de subalternização. E dos homossexuais que precisam se assumir. Por que veja bem, quando uma mulher ocupa um cargo público anteriormente ocupado por homens, há um grande avanço. Mas os homossexuais não se assumem. Eles precisam se assumir, para que mostre o quão normal é. Sei que não é uma receita que diz qual a hora de se assumir. Se os homossexuais que estão no Congresso, no legislativo, ou executivo se assumissem, nós, com certeza, teríamos uma sociedade onde as diversas formas de amar fossem mais naturalizadas e respeitadas.


Rafael Berredo

AUTOR

Rafael Berredo. Aquariano, impulsivo, umbandista e eternamente inconstante. Atuante em causas sociais, vive em busca de projetos humanitários e da paz interior. Apaixonado por música e adepto da filosofia de mesa de boteco. Ativista da nossa coluna LGBT.

4 comentários:

  1. Que entrevista sensacional! Eu não a conhecia, mas com certeza vou começar a acompanhar mais. Infelizmente nosso país, além de homofóbico, ainda tem suas mentes presas demais aos conceitos sociais antigos, onde nada era tolerado. Podemos ver claramente isso no sentimento de "senhor de engenho" que muitos ainda carregam em seus discursos e atos. Mesmo que seja a passos lentos, isso precisa mudar. Eu acredito que é possível! :)

    Beijos e uma semana sensacional!
    Tribo Alternativa

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  2. Parabens a essa parlamentar por lutar pelos direitos gays, nem dá pra acreditar que em pleno sec xxi as pessoas ainda nao possam se amar tranquilamente e sem opressão --'

    Ótima sua entrevista <3

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  3. Cara que pais e esse em que um deputado compara homoafetivos com demonios? =[
    eu acho que esses politicos todos e que deveriam fazer uma sessao de descarrego pra tirar a cara de pau e tomar vergonha, eles estao ali pra nos representar independente de cor, religiao ou opção sexual ¬¬ que raiva kkkk
    Eh de se deprimir hem =(

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  4. To impressionada com a desenvoltura dela, achei que só o Jean defendia nossa causa <3
    Mas a vida politica dela encerrou no mandato da epoca dessa entrevista em 2010? Ou ela ainda esta em atividade?

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