“Os beijos gays devem ganhar as ruas.”
Erika Kokay
Sempre muito simpática
e receptiva Erika Kokay abre as portas de seu gabinete, em uma entrevista
emocionante, onde fala de sua vida política, ações pró-LGBTs e combate à
homofobia. A deputada se destaca, atualmente, no DF, como uma das maiores
lutadoras pelos direitos dos homossexuais, e afirma: "As pessoas devem
sair do armário".
Por Rafael Berredo.
Rafael
Berredo: Como a Sra.
começou a se interessar pelas políticas LGBTs?
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Fonte: Internet |
Erika Kokay: Comecei minha vida política em 1976, na
Universidade de Brasília, na defesa da liberdade democrática, e carrego desde
essa luta, que foi muito dura, um compromisso com a liberdade. Por conta disso
sempre tive um compromisso muito grande com os direitos humanos, e é muito
natural que eu defendesse o direito das pessoas existirem como pessoas. Nós
somos seres sexuados e a sexualidade não se resume à relação sexual. Como eu
posso considerar que a sexualidade é uma forma como você se coloca no mundo e
deve ser calcada na liberdade de ser, a homossexualidade não se resume ao sexo.
Lutar pelos direitos da comunidade LGBT é lutar pelos direitos da pessoa
humana. A digital da homofobia é a mesma digital do racismo, do machismo, do
sexismo. É a intolerância ao outro. Existem várias formas de ser, várias formas
de amar, mas a humanidade é uma só. Então quando você nega ao outro, você age
como agem os racistas, os machistas. Todos eles carregam uma falta de
reconhecimento humano. Quando dizemos que a comunidade LGBT deve ter os mesmos
direitos, dizemos ser fundamental que isso seja traduzido no nosso cotidiano
como o direito das pessoas existirem como tais. A homossexualidade sempre
existiu. Ela já foi patologizada, já foi criminalizada, como já foi totalmente
aceita. Os fenômenos humanos, nas suas diferenças, já foram vistos de
diferentes formas, de acordo com a estrutura, desenvolvimento social e
econômico de uma sociedade. A homossexualidade é encarada de acordo com a
cultura de um povo, e não podemos ver a sociedade como um tapete espesso onde
jogamos tudo que é diferente debaixo. Existe uma norma que é construída de
acordo com a cultura. E a tendência é dizer que a norma é natural. Mas ela não
é. Ela é cultural. E as identidades sexuais foram colocadas em risco por não
seguirem a norma. Isso foi construído, mas pode ser desconstruído.
RB: Já existem no Brasil leis que defendem minorias
reprimidas no passado, e algumas até hoje, como mulheres, negros e índios. A
Sra. acha que os LGBTs caminham nesse rumo?
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Fonte: Internet |
EK: Como as digitais da subalternização do outro são iguais, a gente
luta pela universalização das políticas públicas, e o Estado deve abrir espaço
para o exercício das diferenças. Ao mesmo tempo em que lutamos por isso, nós
devemos lutar para que as políticas em geral e a sociedade abram espaço para o
exercício da diferença. O movimento das mulheres foi o grande movimento depois
da segunda guerra mundial. Depois dele vieram os outros movimentos. Quando você
resgata os direitos de um segmento marginalizado, você resgata a condição de
sujeito, a liberdade de ser, a igualdade de direitos, e ali você abre caminho
para outros movimentos. Ele foi um movimento de liberdade sexual, e dali
avançamos um grande ponto para a evolução da humanidade e dos homossexuais.
Resgatamos o significado de humanidade que se perderam pelas frestas da
intolerância. A sociedade deve abrir espaço para o exercício da diferença.
Defendo o direito às diferenças.
RB: Porque a Sra. acha que o legislativo possui uma certa
resistência em aprovar e apoiar políticas LGBTs?
EK: Por uma série de equívocos. Porque a sociedade é, via de regra,
homofóbica. E quando grupos menosprezados lutam por seus direitos, elas se
transformam em algozes. As vítimas se transformam em algozes. Isso acontece com
o homossexual. Quando as pessoas se sentem livres pra expressar seu afeto em
público ou se organizam para reivindicar seus direitos, elas são taxadas como
pessoas que querem se reafirmar ao contrário. Da mesma forma como a sociedade é
racista e machista, ela é homofóbica. Temos capitanias hereditárias
pós-modernas, onde alguns querem impor a outros, o que elas julgam adequado.
Não é assim. Cada um deve ser livre para amar como julgar melhor.
RB: Existe uma correlação dessa resistência com a bancada
evangélica?
EK: Aqui na CLDF nós temos conseguido avançar, mesmo com a
resistência deles. Com muita luta e com grande articulação política,
conseguimos agilizar o plano de previdência dos funcionários da CLDF, navegando
nas brechas regimentais. Não podemos permitir o atraso. O estado é laico.
Existem princípios estruturantes. Todos devem ter liberdade de escolher o que
querem para si. Deve haver a liberdade religiosa, mas não podemos permitir que
as visões religiosas predominem frente ao Estado. O que está em jogo são 36 direitos
negados a homossexuais que estão assegurados na Constituição Federal.
RB: Nos últimos 30 dias, ocorreram duas grandes
manifestações pró-LGBTs no Brasil. A Marcha Nacional Contra a Homofobia e a
Parada Gay de São Paulo. As duas se destacaram por vir com um cunho político
muito forte. Os organizadores e ativistas da Parada Gay, inclusive, pediram que
o público LGBT não votasse em políticos não comprometidos com a causa. Em sua
opinião, esses movimentos geram algum impacto na sociedade?
EK: É fundamental que existam esses movimentos. O segmento LGBT foi
marginalizado. Quando você adquire o orgulho e amor de ser como você é, não
existem limites para que você conquiste uma sociedade em que se sinta parte
dela. Cada movimento desses são espaços de construção de desejos e de direitos.
É um contraponto de uma lógica conservadora, de pessoas que ousam falar em nome
de Deus contra princípios pregados pelo próprio cristianismo. Não podemos
permitir que em nome de Deus se vergue a laicidade do Estado e que em nome dele
se desenvolva o ódio. A cada discurso que eles fazem em nome de Deus para
excluir e discriminar homossexuais, provocam o ódio e a morte. A sociedade não
pode se indiguinar com um beijo homoafetivo e naturalizar a violência. Que
sociedade é essa que acha natural a violência, se acostumando com as mortes de
gays nos jornais e que se indiguina com o afeto? O afeto tem que ganhar as
ruas. O beijo não pode ser preso. Ele não deve se restringir a quatro paredes.
Cada vez que um casal homoafetivo se beija e se acaricia em público, nós
estamos construindo uma sociedade onde toda forma de amor possa valer a pena.
RB: De acordo com pesquisas, por dia, no Brasil, 20 milhões
de LGBTs são discriminados nas mais diferentes esferas. O Governo tem tomado
iniciativas concretas para diminuir esses índices?
EK: O Governo Federal fez o projeto Brasil Contra a Homofobia.
Tentamos implantar aqui o Brasília Contra a Homofobia e estamos discutindo a
criação do Conselho LGBT de Brasília. O Governo diz que não há nenhuma divergência,
mas não implementam ações, por agirem a base de cálculos eleitorais. Ponderam
quantos votos se ganham ou se perdem. Pra que servem os mandatos? São para
construir uma sociedade mais justa e fazer valer a Constituição.
RB: O que falta para que medidas como essas sejam
positivadas?
EK: As pessoas devem sair do armário e expressar sua afetividade.
Alguns [homossexuais] dizem que o que eles fazem na cama não é problema de
ninguém. A homossexualidade não se resume à relação sexual. Falamos de ser o
que você é. Não posso restringir minha liberdade de ser o que eu sou à cama. Os
homossexuais precisam da liberdade de pegar um telefone no ambiente de trabalho
e nominar a pessoa que amam. Mas eles não nominam por medo do preconceito dos
colegas de serviço. É uma tremenda violência. De todos os grupos discriminados,
os homossexuais são os que sofrem além. Por conta da própria família. Coisa que
o negro não sofre. A mulher não sofre. E quando ele percebe amar alguém do
mesmo sexo biológico que o seu, se culpa e se pune por medo de chatear os pais.
Por isso o Estado deve ter um auxílio psicológico público para que as famílias
possam aceitar e acolher seus filhos. Não existe motivo de dor em ser
homossexual.
RB: Já existe jurisprudência no Brasil favorável à união de
casais homoafetivos. Em sua opinião, o que falta para que medidas como estas
sejam positivadas?
EK: A sociedade avança. Se não pelo legislativo, pelo judiciário.
Muitas vezes o legislativo se curva ao judiciário. É inexorável o avanço do
reconhecimento humano e dos direitos do LGBT. Precisa que as pessoas possam ir
às ruas. Mas já avançamos muito, se considerarmos 30 anos atrás. Ainda temos
muito que avançar, é claro. Por que hoje em dia, falar uma piada machista ou
racista constrange quem fala. E já estamos construindo uma vergonha em nominar
sua homofobia. Ela vai continuar existindo, mas vai despertar a vergonha em
quem a nominar. Na minha época, os homens diziam abertamente que suas mulheres
estavam sob o seu "tacão". Hoje isso não é mais dito, apesar de ser
vivenciado. Então, acho que caminhamos pro avanço. É óbvio que não avançamos
linearmente, mas dialeticamente. Nesse avanço haverá reações. Reações de
pessoas que falam em nome de Deus, mas negam o amor dele. Acreditam num Deus
que hierarquiza as pessoas. O ser humano não cabe dentro de uma garrafa. Ele
não pode ser rotulado. Enquanto a comunidade LGBT escondia a sua própria
homossexualidade, não se via tantas expressões homofóbicas. Isso significa que
quando o movimento mostra a cara e busca seu espaço, haverá reações, em função
do crescimento. Queremos direitos iguais. Nem mais, nem menos.
RB: Em sua opinião, a PLC 122, que torna crime a homofobia,
resolveria os problemas causados pela homofobia, ou seria apenas uma medida
paliativa?
EK: As leis por si só não resolvem. Elas não asseguram os direitos,
mas são instrumentos que buscam o direito. Porque se fosse assim, as mulheres
não seriam violentadas, mesmo por que temos a Lei Maria da Penha. A existência
de uma legislação contra a homofobia é importante para estipular limites. O
ideal seria que não fosse necessário, por que o ideal seria que não existisse a
homofobia. A PLC 122 é magnífica por assegurar mecanismos do Estado para coibir
cidadãos homofóbicos. Um instrumento para acionar o Estado, a fim de assegurar
os direitos dos LGBTs. A Constituição dá direito à homossexualidade existir e
assegura inclusive a união civil, quando fala da liberdade de direitos e que
todos são iguais perante a lei. Mas antes vamos enfrentar uma resistência conservadora,
anacrônica e medieval, que busca se perpetuar no poder legislativo alimentando
o ódio das pessoas. É uma vitória da democracia a aprovação da lei, porque
modifica os paradigmas da sociedade.
RB: Nas escolas brasileiras ainda não é combatida a homofobia e nem
estudada a cultura LGBT. A Sra. acha que o Governo tem medo de estipular tais
ações?
EK: O Brasil Contra a Homofobia envolve a educação. Mas isso é um processo. Porque você tem que
desconstruir esse preconceito.
RB: Então, o índice de desenvolvimento econômico de um país
reflete diretamente na aceitação da união de casais homoafetivos?
EK: Acho que as pessoas terem as condições básicas de vida sempre
ajuda num processo de conscientização superior e de cidadania, mas não assegura
por si só. Devemos fazer a discussão nos aparelhos ideológicos do Estado. Como
nas igrejas. Por que são instrumentos de
reprodução de uma lógica dominante, mas precisa se basear numa lógica
libertária.
RB: Mas ainda há muita hipocrisia por parte dos governantes.
EK: Tinha um deputado aqui que renunciou ao mandato, famoso por fazer
uma oração, que aparece na televisão [referência ao ex-Deputado Distrital
Júnior Brunelli, acusado de estar envolvido em escândalos de propina], que
dizia que não existem gays, e sim, demônios. O que se poderia fazer era
exorcizar os demônios dos homossexuais. Essas pessoas que possuem modelos de
perseguição a gays estão envolvidos, aqui na CLDF, em coisas nada puras no que
diz respeito à utilização dos recursos públicos. Façamos um contraponto. Esse
pensamento fundamentalista vai ter um número de adesão. Mas não é determinante.
Vide as paradas gays. As pessoas começam a acolher e entender a causa LGBT.
Construímos uma série de direitos e espaços na sociedade, onde temos beijos e
afetos livres. Mas é um processo dialético, porque os avanços da comunidade
nunca foram lineares. Por isso é importante esse contraponto. As pessoas
pensam: "Eu não tenho problemas com homossexuais, desde que não sejam
afetados na minha frente". Na verdade querem dizer: "Não tenho
problemas com homossexuais, desde que aparentem ser heterossexuais". Por
que heterossexuais podem se beijar em público e homossexuais não podem?
RB: Para encerrar. Quem, então, seria o responsável por essa
mudança de pensamento das pessoas?
EK: Todos. Do Governo, que não pode se eximir da sua função. Porque a
sociedade é desigual e precisa de um Governo que proporcione políticas públicas
de qualidade e instrumentos que tirem a relação de subalternização. E dos
homossexuais que precisam se assumir. Por que veja bem, quando uma mulher ocupa
um cargo público anteriormente ocupado por homens, há um grande avanço. Mas os
homossexuais não se assumem. Eles precisam se assumir, para que mostre o quão
normal é. Sei que não é uma receita que diz qual a hora de se assumir. Se os
homossexuais que estão no Congresso, no legislativo, ou executivo se
assumissem, nós, com certeza, teríamos uma sociedade onde as diversas formas de
amar fossem mais naturalizadas e respeitadas.
Que entrevista sensacional! Eu não a conhecia, mas com certeza vou começar a acompanhar mais. Infelizmente nosso país, além de homofóbico, ainda tem suas mentes presas demais aos conceitos sociais antigos, onde nada era tolerado. Podemos ver claramente isso no sentimento de "senhor de engenho" que muitos ainda carregam em seus discursos e atos. Mesmo que seja a passos lentos, isso precisa mudar. Eu acredito que é possível! :)
ResponderExcluirBeijos e uma semana sensacional!
Tribo Alternativa
Parabens a essa parlamentar por lutar pelos direitos gays, nem dá pra acreditar que em pleno sec xxi as pessoas ainda nao possam se amar tranquilamente e sem opressão --'
ResponderExcluirÓtima sua entrevista <3
Cara que pais e esse em que um deputado compara homoafetivos com demonios? =[
ResponderExcluireu acho que esses politicos todos e que deveriam fazer uma sessao de descarrego pra tirar a cara de pau e tomar vergonha, eles estao ali pra nos representar independente de cor, religiao ou opção sexual ¬¬ que raiva kkkk
Eh de se deprimir hem =(
To impressionada com a desenvoltura dela, achei que só o Jean defendia nossa causa <3
ResponderExcluirMas a vida politica dela encerrou no mandato da epoca dessa entrevista em 2010? Ou ela ainda esta em atividade?