Baba de unicórnio

terça-feira, novembro 03, 2015 1 19 Comentários


"Aquele que combate monstros deve tomar cuidado para que ele mesmo não se torne um" (Nietzsche).

Cenário - tão cinza que estupra o arco-íris ao fundo.

Ele tira o jeans surrado, arremessa o tênis molhado em direção ao quintal e desaba na cama como se não dormisse há séculos. A preguiça é grande demais para se pensar em banho, ele quer apenas matar o sono antes da ressaca - um passo de cada vez.
 
Poderíamos até fingir que estamos falando de um filme cult setentista, junkie e repleto de personagens escrotos pelos quais nos identificamos, e que o garoto em questão é o protagonista charmoso e problemático que enfrenta mil tretas antes de se reerguer, mas... não! Não faremos isso.
 
Ele é um jovem aparentemente normal de vinte e poucos anos. Nem bonito nem feio, embora seja paranoico com o peso e se ache a pessoa menos atraente da face da Terra. Como recursos não lhe faltam, costuma equilibrar seu colapso psicológico em encontros casuais como escapismo daquela dor tão presente que já se tornou inquilina. Além de companheira indesejada, também sua melhor amiga. Ele aceitando ou não.
 
Mas por trás daquele sorriso debochado e de vômitos de sarcasmo há uma sensação de abandono que o faz buscar uma zona de conforto em companhias duvidosas e pessoas altamente desvairadas. Viradas de noite, calçadas manchadas, batidas de carro. Brindes a amigos que nem pertencem mais àquela vida. E o eterno boicote a si mesmo.
 
E ao acordar com gosto de papelão na boca, escova os dentes e promete a si mesmo que nunca mais colocará uma gota de álcool na boca - promessa essa que é quebrada doze horas depois (só pra constar). Veste a roupa mais confortável do armário, entra na atmosfera mágica do Netflix e após o período de confinamento, toma banho e se prepara para um novo agito. O Whatsapp não lhe permite experimentar a solidão, mesmo que ele se sinta excluído dentro de sua própria casa. É fato que ele convive com estranhos. É nítida a distância entre ele e seus parentes. E é inegável que ele seja preterido por ter tido peito de se assumir.
 
Afinal de contas, sua nobre e religiosa família não é obrigada a engolir o fato de que seu pequeno prodígio hoje em dia engole otras cositas más por aí.
 
Todos os dias ele se prepara para os cortes. O que falta é a coragem de ir até o fim (e perder a consciência de vez). Virou mestre da fobia social no dia a dia, mas aos sábados interpreta o queridinho da galera - entre aqueles que fecham os olhos para sua tristeza e fingem acreditar que ele é... feliz. Apavorado com seus pensamentos, repele sua própria essência para tornar-se um suicida refém da sobrevivência.
Não se trata de dar o cu ou sofrer intolerância. A falta não é de um grande amor capaz de transformar todos os problemas em pequenas distrações. A questão é que o laço já fora rompido bem antes da descoberta, e a verdade dita apenas emparedou o muro invisível que sempre existiu.
 
- Mãe, eu sou gay.
- ...
- Mãe?
 
Google Imagens

Hell
{Ellen F.}

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19 comentários:

  1. Que saudade que eu tava daqui e desses textos maravilhosos Hell ♥

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    1. Saraaaa, que saudades das suas visitas. Muito obrigada por não se esquecer de nós <333

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  2. Texto bem delicioso de ler.
    Boa semana!

    http://jj-jovemjornalista.blogspot.com.br/

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  3. Que texto louco, porém bom de ler, dá vontade de parar e discutir a cada parágrafo, desenvolver mais e mais os temas...


    Beijos
    Brilho de Aluguel

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  4. Ameei o texto! Muuito envolvente ahah até li duas vezes ahahah

    um beeijo bonitaa ♥

    E aí, Bonita!

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  5. Adorei o texto, a forma que escreve, é tão bacana que depois que começa ler não consegue parar, fiquei apaixonada pela a sua inscrita
    Beijos.
    http://www.segredosdacahlima.com/

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  6. Nossa Hell! Foi um ótimo texto, muito bem escrito e envolvente...O grande problema é que infelizmente ele é real :/ A gente já fica "sentido" apenas de ler um texto e se imaginar na pele do personagem, mas por mais que a gente se solidarize e tal, só quem está nessa situação sabe como é :/ E pior que é bem assim, as pessoas que mais deviam apoiar (a família) muitas vezes são as que mais dificultam "se assumir"

    Beijos <3

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  7. Puta soco no estômago esse texto.
    Como de costume, incrível com as palavras, Hell.
    Caralho como eu amo quando abordam temas assim. E alguns trechos tão intensos e sinceros que me vi neles.
    Muito bom <3
    Mesmo.

    Mil beijos

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  8. aaaaaaaaaaaaaaaaai que lindo!! <3
    beijos.

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